Cultura data-driven e soberania digital: os desafios do Brasil na gestão de dados
No IT Forum Na Mata, especialistas discutem o papel da cultura data-driven e a importância da soberania digital em um país cada vez mais conectado
No cenário de um mundo hiperconectado, em que dados pessoais, empresariais e governamentais são a espinha dorsal das operações, o Brasil se vê diante de uma encruzilhada: expandir o uso estratégico de dados em suas empresas e, ao mesmo tempo, consolidar sua soberania digital.
O IT Forum Na Mata – Dados trouxe esses dois temas para o centro das discussões. Líderes de TI se reuniram para discutir as dificuldades e ambições do país na construção de uma cultura data-driven e no fortalecimento de sua autonomia sobre a infraestrutura de dados.
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O caminho para uma cultura data-driven
Para empresas que lidam com grandes volumes de informações, os dados já não são um mero suporte às operações. Eles definem e orientam decisões, com impacto direto sobre a eficiência e competitividade. Wanderley Campos, sócio da SPTech e um dos palestrantes do evento, destacou como a cultura data-driven transforma a empresa ao permitir “decisões mais assertivas, aumentando a agilidade e promovendo a inovação.” Essa mentalidade representa mais que uma mudança tecnológica; exige uma transformação profunda nas práticas de gestão e na própria cultura organizacional.
Campos enfatizou a importância da catalogação de dados, que assegura que ativos digitais estejam organizados, disponíveis e compreensíveis para os diferentes setores das empresas. Ele lembrou que a catalogação, mais do que uma medida técnica, evita distorções na interpretação de dados. “Muitas vezes, vemos diferentes interpretações para o mesmo dado dentro da própria organização,” disse Campos, ressaltando a necessidade de uma governança rigorosa. O objetivo é criar uma base sólida para a democratização dos dados, para que não sejam apenas compreensíveis, mas também acessíveis a mais pessoas dentro da organização.
Para enfrentar a complexidade da gestão de dados, Campos apontou a adoção do conceito de Data Mesh, que descentraliza a responsabilidade, fazendo com que cada setor administre seus dados de maneira independente e próxima de sua própria área. Esse modelo, explicou ele, traz flexibilidade, ao mesmo tempo que desafia as organizações a manterem padrões de qualidade. Trata-se de equilibrar inovação com governança, enquanto as empresas buscam novas formas de monetização dos dados, estratégia que ainda engatinha no Brasil.
Soberania digital: independência e segurança nacional
Em um segundo momento do evento, Lyzbeth Cronembold, CEO da Changers e consultora associada do IT Forum, levou o público a refletir sobre as implicações da soberania digital no Brasil. O conceito, segundo ela, vai além da independência sobre os próprios dados e tecnologias. “Soberania digital significa a capacidade de um país de controlar e proteger sua infraestrutura digital, ou seja, dados e comunicações, sem dependência de fornecedores estrangeiros ou estar sujeito a leis estrangeiras que possam comprometer sua segurança nacional,” explicou.
Lyzbeth ilustrou o desafio usando o exemplo de grandes empresas internacionais, como AWS e Google, que dominam o mercado brasileiro com seus serviços de nuvem. Para ela, é crucial que o país limite sua dependência de tecnologias e fornecedores estrangeiros, principalmente em setores críticos, como o financeiro.
Um exemplo desse esforço é o sistema Pix, que, em 2023, processou transações que somaram 4 trilhões de reais exclusivamente dentro do território nacional, assegurando que esses dados financeiros não sejam expostos a regulamentações de outros países. “A soberania digital já é uma realidade no setor financeiro brasileiro”, afirmou a executiva, mostrando como o Brasil tem avançado em algumas frentes para manter o controle sobre dados sensíveis.
Esses movimentos são reforçados pela regulamentação nacional. Em agosto de 2024, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) implementou a resolução nº 19, que estabelece normas rigorosas para a transferência internacional de dados.
As empresas agora precisam garantir que contratos e políticas de privacidade estejam em conformidade com as exigências de proteção de dados, aplicáveis tanto para dados armazenados localmente quanto para aqueles transferidos para o exterior. “A governança e a segurança da informação devem ser priorizadas para evitar riscos de violações,” pontuou a consultora, que destacou a necessidade de conformidade com normas como a LGPD, exigindo das empresas brasileiras uma adaptação urgente.
O futuro da autonomia digital no Brasil
A urgência desse tema reflete uma tendência global. Em sua palestra, Cronembold chamou atenção para iniciativas como o GDPR na União Europeia, que exige que dados de cidadãos europeus sejam mantidos dentro do território da UE ou transferidos apenas para países com um nível de proteção equivalente. Ela observou que países como a China e a Rússia já adotaram legislações semelhantes, que forçam empresas a manter dados locais para garantir a autonomia e segurança dos respectivos países.
No Brasil, o governo se prepara para lançar o Brasil Digital 2030+, um plano ambicioso para desenvolver uma infraestrutura robusta que possa assegurar ao país mais controle sobre dados críticos e sistemas de comunicação. A proposta inclui incentivos fiscais para a criação de centros de dados locais e parcerias estratégicas com o setor privado, com a expectativa de que o Brasil tenha condições de competir tecnologicamente e manter sua soberania digital. Segundo Lyzbeth, “o movimento pela soberania digital vai além do mercado; ele afeta a segurança nacional.”
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