Como será a mobilidade urbana e a proteção de dados no mundo pós-pandemia?

Refletir sobre possíveis cenários mostra-se extremamente importante para que possamos nos preparar para o que virá

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11:06 am - 19 de junho de 2020

Oportunamente, as medidas de isolamento vão passar e a vida vai se abrir a um novo cotidiano pós-pandemia – ou, como alguns preferem dizer, a um “novo normal”. Mas o que esperar dessa nova realidade no contexto das cidades, em um mundo cada vez mais guiado por dados?

O que já percebemos, até agora, é que a pandemia está antecipando mudanças que, de certa forma, já esperávamos, mas que vinham caminhando em um ritmo lento. São transformações que permeiam diversos setores, tais como economia, tecnologia, privacidade e proteção de dados, modelos de negócios, relações sociais e culturais e, em especial, a relação com a cidade.

Sobre o tema cidades, mobilidade e proteção de dados, temos acompanhado ultimamente discussões que vão desde o questionamento do cálculo da taxa de isolamento das cidades, que é medida com base em dados obtidos a partir da conexão de telefones celulares às torres de telefonia, até mesmo a edição de uma medida provisória – que foi suspensa posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – que visava o repasse por empresas de telefonia fixa e móvel de dados dos seus usuários (nome, número de telefone e endereço) ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para fins de suporte à produção estatística oficial. Tais discussões ocorrem em um contexto no qual a nossa Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) sequer encontra-se em vigor. Inclusive, alguns projetos de lei buscam postergar o início de sua vigência.

Pensando, então, sob a perspectiva da cidade, da mobilidade e da proteção de dados, já conseguimos levantar e refletir sobre algumas questões, tais como: de que maneira ocorrerá a retomada de algumas atividades? O deslocamento das pessoas – seja para fins de trabalho, educação, saúde ou, até mesmo, lazer – será afetado? Como ficará a questão da proteção de dados pessoais? O que mudará?

Para responder ou pelo menos refletir sobre as questões acima, partamos do pressuposto de que as transformações no ambiente urbano ocorrerão em três fases/momentos: inicial; transição; e cotidiano pós-pandemia.

A primeira fase é a que estamos vivenciando neste momento, com a maioria das cidades brasileiras em isolamento e algumas já adotando o lockdown. Parques, escolas e faculdades fechados e apenas serviços essenciais em funcionamento. Empresas adotando home office. Na cidade de São Paulo, por exemplo, houve uma redução de aproximadamente 75% no número de usuários de transporte público coletivo (trens, metros e ônibus) e a Prefeitura chegou a adotar por um tempo medidas mais severas com relação ao rodízio municipal, visando a aumentar os níveis de isolamento social.

A segunda fase consiste em um momento de transição, no qual as regras de isolamento tendem a se afrouxar, permitindo que o comércio e as empresas reabram, que as instituições de ensino voltem a funcionar e que as pessoas comecem a sair de suas residências e se desloquem pela cidade, ainda que em distâncias curtas.

Por se tratar de um momento de transição, aglomerações ainda devem ser evitadas. Em razão disso, o que se observa em algumas cidades, que já estão nesta segunda fase, é a predileção pela mobilidade ativa (caminhar) e/ou meios de transportes individuais. Alguns municípios, por outro lado, têm tomado medidas temporárias que refletem até mesmo na própria infraestrutura urbana. Em Berlim e Bogotá, por exemplo, foram criadas ciclovias temporárias. Outras cidades fecharam completamente ruas ao trânsito motorizado para aumentar a distância entre os pedestres circulando. A Nova Zelândia aprovou recentemente um fundo para ações de urbanismo tático que possam criar rapidamente ciclovias temporárias.

Por mais que a maioria dessas medidas seja temporária, elas certamente servirão de estudo para que, no futuro, as cidades considerem sua manutenção.

A última fase, por fim, consiste no novo cotidiano pós-pandemia que passaremos a viver. Não é possível afirmar, com certeza, como será, mas conseguimos ter uma noção do que esperar. Como já mencionado, a pandemia acabou antecipando mudanças que já estavam em curso, tais como teletrabalho, home office, telemedicina, tendência das pessoas a morarem perto do trabalho, busca por novos conhecimentos e, consequentemente, a educação a distância, dentre outras. Essas mudanças refletem diretamente na nossa relação com a cidade, em especial com a mobilidade.

A tendência é de que os grandes deslocamentos sejam substituídos cada vez mais por pequenas distâncias a serem percorridas e com uma frequência cada vez menor. Além disso, quando for necessário se deslocar, haverá uma predileção pela mobilidade ativa ou por meios de transportes individuais, tais como bicicletas e patinetes. No cotidiano pós-pandemia, haverá valorização dos transportes sustentáveis e ativos, que favorecem a saúde.

Outra aposta consiste, também, na micromobilidade elétrica – veículos alternativos com menos de 500 kg, acionados por motores elétricos e utilizados, primordialmente, como meios de transportes. Já existem startups que oferecem serviços de bikes e patinetes elétricos, mas a tendência é de que isso cresça.

Cria-se, assim, um ambiente propício para que as empresas e startups que já trabalham com compartilhamento de bikes (elétricas ou não) e patinetes aprimorem seus serviços, bem como para que novos players surjam no mercado oferecendo novas opções e alternativas.

Impossível falar em compartilhamentos de bikes e patinetes sem falar de proteção de dados. As empresas que prestam tais serviços – e as que podem vir a prestar no cotidiano pós-pandemia – utilizam-se de sites e aplicativos para tal finalidade. Neles são tratados diversos dados pessoais, desde os necessários para cadastro do usuário até mesmo dados bancários, informações de trajeto percorrido, frequência de utilização, dentre outras inúmeras informações.

No mundo inteiro, as leis de proteção de dados geraram mudanças na forma de condução dos trabalhos por empresas que desenvolvem e operam serviços, e também geraram alterações em modelos de negócios, estratégias de monetização e procedimentos de tratamento de dados pessoais. Por tal razão, a LGPD deverá ser muito bem estudada e aplicada na estruturação desse tipo de trabalho.

Dentre os pontos considerados, estão aqueles relacionados ao cumprimento dos princípios da necessidade, finalidade e transparência. Isso significa que os projetos deverão ser concebidos de forma a tratar a menor quantidade possível de dados pessoais para atingir determinado fim, devendo todos os benefícios e todas as formas de tratamento de dados ser claramente informados aos titulares dos dados pessoais (neste caso, os indivíduos que utilizem o serviço disponibilizado).

Existe uma urgência em usufruir da tecnologia disponível para melhorar a qualidade de vida dos moradores das cidades. Para isso, é importante que a inteligência e inovação sempre caminhem juntas no sentido de garantir a devida proteção dos indivíduos, para que eles efetivamente façam parte do desenvolvimento urbano, sem que seus dados pessoais sejam indevidamente utilizados, ainda que isso envolva a reformulação dos projetos estratégicos destas empresas.

Sabemos pouco acerca desse novo cotidiano pós-pandemia, por isso, refletir sobre possíveis cenários mostra-se extremamente importante para que possamos nos preparar para o que virá. Uma coisa é certa, a importância e o cuidado com os dados pessoais sempre será algo necessário e atual, sendo que nossos esforços devem ser guiados para tal propósito – ainda mais com a entrada em vigor da LGPD aproximando-se –, especialmente para aquelas empresas que, de alguma forma, serão peças-chaves para as mudanças que esperamos.

* Igor Baden Powell é associado da área de Proteção de Dados, Direito Digital e Propriedade Intelectual do ASBZ Advogados

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