Metaverso ou mundo virtual, o que de fato é real ?

As aplicações de mundos virtuais que temos hoje são implementações de Metaverso? E o que é Metaverso?

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8:59 am - 15 de novembro de 2022
Imagem: Shutterstock

O mundo 2D não atrai mais parcela expressiva dos consumidores, pois leva a páginas estáticas e cheias de miniaturas. Cada vez mais as pessoas procuram se divertir em plataformas digitais (ex. Fortinet, Roblox, Instagram, Snapchat e TikTok), se comunicando, jogando, assistindo e compartilhando conteúdo, descobrindo e se envolvendo com marcas e produtos à medida que o fazem.

Tudo está se tornando virtual: produtos, showroom, roupas, tênis, influenciadores, moeda, propriedade e até mesmo as pessoas.

As marcas cada vez dispõe de ferramentas para conhecer as pessoas e estar onde elas gostam de estar, qualquer que seja o contexto.

A realidade aumentada apresenta novas possibilidades, aumentando os limites na experiência no mundo 3D, inclusive, com o uso das câmeras dos smartphones, replicando, inclusive, uma experiência numa loja física ou mesmo numa fábrica.

As bibliotecas 3D são utilizadas de forma mais intensa pelas marcas para os seus ativos exclusivos – produtos, lojas e manuais.

As empresas estão oferecendo com mais frequência os seus produtos e serviços para dentro de qualquer experiência na qual um usuário possa estar imerso, como por exemplo: eventos virtuais musicais e esportivos, desfiles virtuais, e jogos eletrônicos. Nesse contexto, as plataformas digitais que as suportam, como por exemplo os games, estão cada vez mais baseadas em tecnologias imersivas, utilizando conceitos de mundos virtuais, atraindo a atenção de grandes marcas, que passaram a utilizá-las como parte da sua estratégia de marketing e mesmo de negócios.

As experiências atuais, notadamente de games, atuavam em mundos fechados. O que se busca, com a evolução tecnológica e de novos modelos de negócios, é a adoção de mundos virtuais na qual todos possam se mover livremente entre os diferentes universos digitais existentes e estar onde realmente gostariam de estar.

A Convergência de Tecnologias está propiciando o desenvolvimento de soluções que unificam as plataformas digitais de dados, voz, vídeo e de toda a infraestrutura de TIC, criando novas formas de comunicação e de interação entre usuários e desses com o ecossistema, para a oferta de diferentes serviços.

Nesse cenário, tem um papel fundamental as tecnologias imersivas associadas aos mundos virtuais.

Tecnologia imersiva refere-se à tecnologia que tenta emular um mundo físico por meio de um mundo digital ou simulado, criando um sentimento sensorial circundante, num sentimento de imersão. São implementações de Realidade Virtual (RV), Realidade Aumenta (RA), Realidade Mista – ou híbrida (RM) e Realidade Estendida (RE).

Um mundo virtual é um ambiente imersivo, simulado através o uso de recursos computacionais, destinado a ser habitado e permitir a interação dos seus usuários através de avatares (representações personificadas do usuário dentro do ambiente digital).

As aplicações de Inteligência Artificial ampliam a capacidade das aplicações em mundos virtuais, como por exemplo, a utilização da visão computacional, processamento de linguagem natural (NLP), localização e mapeamento simultâneos (SLAM), criação automatizada de conteúdo e algoritmos de sugestão.

Componente fundamental da arquitetura dos mundos virtuais, o Blockchain viabiliza a utilização de tokens não fungíveis (NFT’s), criptomoedas, contratos inteligentes com a garantia do não repúdio, Organizações Autônomas Distribuídas (Distributed Autonomous Organizations – DAO’s), terrenos digitais e Finanças Descentralizadas (Descentralized Finance – DeFi).

O que muitos definem hoje como Metaverso, nada mais são do que implementações de mundos virtuais utilizando tecnologias imersivas e ainda estão longe de ser implementações reais do conceito de Metaverso.

Convivemos com mundos virtuais há muito tempo, seja na forma de jogos de computador ou mesmo em comunidades, como o Second Life. Algumas das tecnologias imersivas que utilizamos hoje existem desde o século passado. Vivenciamos nos últimos anos a ampliação de aplicações em nichos de mercado ou pequenos testes de conceitos, fortemente motivados pela melhoria na infraestrutura de conectividade, a ampliação das soluções baseadas em algoritmos de Inteligência Artificial, do desenvolvimento de novos dispositivos (como o Oculus do Facebook e o HoloLens da Microsoft), a ampliação de aplicações baseadas em blockchain e a popularização das criptomoedas, só para citar algumas.

Essa evolução gradativa, se tornou um hype no final de outubro do ano passado, quando Mark Zuckerberg transformou o Facebook Inc. em Meta Platforms, Inc., o que fez com que imediatamente a expressão Metaverso passasse a ganhar a atenção de todos, sendo uma das palavras mais pesquisadas no Google por um bom tempo, não sendo mais realidade atualmente.

O conceito de Metaverso não é novo e surgiu na década de 1990, com o livro Snow Crash, em que o personagem principal vive uma vida no mundo virtual, interagindo através de um avatar.

A palavra Meta vem do grego e significa “além de” ou “depois de” algo, e a palavra Verso” vem de “universo“. Ainda não existe uma definição universalmente aceita para Metaverso. Cada organização adota uma definição que melhor se adequa ao seu modelo de negócios.

O conceito de Metaverso representa uma contextualização do mundo virtual e de tecnologias imersivas, com a utilização de tecnologias e plataformas tecnológicas que permitem a implementação do tão sonhado Fim da Distância, que é a capacidade das pessoas, lugares, marcas e coisas estarem copresentes, sem levar em consideração a localização física.

De uma forma simples, podemos definir o Metaverso como um espaço coletivo e virtual 3D compartilhado, que combinará aspectos de realidade física e da realidade virtual, composto por representações digitais de pessoas, lugares e coisas. Em outras palavras, será um conjunto de mundos digitais interoperáveis, usualmente chamados de Universos Digitais,  com pessoas reais representadas por avatares e objetos digitais se interagindo virtualmente.

Avatar e Mundo Virtual são conceitos que se complementam. Com a multiplicação dos universos interativos, as pessoas começam a ter vários tipos de avatares e, em algum momento, será necessário unificar essa identidade, de modo a permitir que pessoas assumam as suas identidades, inclusive, quanto aos aspectos legais, por consequências de seus atos virtuais. E esse será um dos grandes desafios para a materialização no futuro do conceito de Metaverso.

Ao contrário da Internet, onde o usuário pode estar online, sem necessariamente estar interagindo com outras pessoas, a base do conceito do Metaverso será a interação humana digital, compartilhando um conjunto de mundos virtuais, seja para trabalho, lazer, educação, atividades físicas ou simplesmente por diversão.

O Metaverso deverá oferecer uma experiência social síncrona, onde pessoas reais, representadas por avatares, habitam e interagem em ambientes virtuais no mesmo tempo, mesmo não estando fisicamente no  mesmo lugar na vida real, utilizando dispositivos de alta imersão (usando um fone de ouvido RV) ou de baixa imersão (utilizando a tela de um smartphone ou computador, em aplicações de RA).

Vejamos algumas das principais características do Metaverso, que torna por si só a sua implementação complexa e ainda distante da realidade atual, que é baseada em soluções e mundos virtuais proprietários:

  • Interoperabilidade— O Metaverso deverá ser construído a partir de  tecnologias e ferramentas interoperáveis, conectadas por meio de padrões de comunicação abertos, definidos e amplamente acordados. O ambiente deverá permitir que no conjunto de mundos virtuais 3D, os participantes usem seus ativos virtuais em diferentes experiências, com a portabilidade de identidades, dados e ativos digitais, independente do universo virtual que esteja utilizando e de soluções de hardware ou wearable;
  • Ambientes descentralizados – Aplicações e infraestruturas baseadas em blockchain, como Finanças Descentralizadas (DeFi), organizações autônomas descentralizadas (DAOs) e tokens não fungíveis (NFTs) serão a base do Metaverso, sendo a referência para a implementação de aplicações de identidade, privacidade, pagamentos e transações digitais;
  • Persistência — Mesmo que haja indisponibilidade de recursos momentaneamente para alguns, o ambiente deverá existir independentemente do local e da hora, e os eventos continuarão ativos;
  • Disponibilidade— O ambiente deverá estar disponível a qualquer hora e local e não haverá limite de usuários, que poderão entrar no ambiente virtual simultaneamente;
  • Sincronicidade — A interação entre os usuários poderá ocorrer em tempo real, sem que se note a diferença entre o mundo digital e o mundo real;
  • Autenticação unificada – O ambiente deverá garantir a autenticação única dos usuários, independente do universo virtual em que tenha sido autenticado inicialmente; e
  • Transações unificadas— O ambiente deverá garantir que todos os participantes, incluindo empresas, tenham a capacidade de usar, comercializar e trocar mercadorias de valor real no mundo virtual.

Um dos maiores desafios que ainda enfrentaremos está relacionado à privacidade e segurança, e para os quais, ainda não temos soluções tecnológicas, regulatórias, nem legislação suficiente para equacionar esses desafios. Ainda não temos sequer uma discussão madura sobre a criação de códigos de conduta de privacidade para os mundos virtuais. A privacidade dos usuários deve ser protegida contra violações de dados e compartilhamento indevido de dados com terceiros. Boa parte dos dispositivos que usam tecnologias imersivas com câmeras ainda se mostram frágeis, na grande maioria de implementações atuais, para garantir esses requisitos fundamentais.

Outro ponto importante é que com a proliferação de avatares, há a possibilidade de criação de identidades falsas, onde, pessoas com avatares disfarçados podem causar danos a outros usuários e marcas e mesmo provocar atos criminosos que ainda não encontram respaldo legal para a sua penalização. Adicionalmente, há um grande desafio de regular a moderação de conteúdo e conduta nos mundos virtuais por parte dos avatares. Esse problema já é crítico hoje no mundo real  e tende a piorar enormemente nos mundos virtuais.

Assumir que a população em geral irá se convencer de que essa  forma de conexão totalmente virtual irá sobrepor a interação física, seja em seu trabalho, lazer e vida social, é um grande equívoco que muitos defensores do Metaverso estão cometendo, pois é enganoso acreditar de que tudo que fizermos em mundos virtuais será melhor do que no mundo real, simplesmente pelo fato de que, na prática, muitos dos problemas que a sociedade hoje enfrenta poderão ser amplificados nos mundos virtuais, além do que esses mundos oferecem o ambiente ideal para que as pessoas mal intencionadas se escondam.

Ainda enfrentamos alguns impedimentos para a adoção em larga escala de mundos virtuais e uma futura adoção do Metaverso, tais como:

  • A experiência imersiva em mundos virtuais exige fones de ouvido RV/RA e dispositivos portáteis, como luvas hápticas de RV, que ainda são caros;
  • O uso prolongado de dispositivos baseados em tecnologias imersivas, com as tecnologias atuais, tem afetado as condições de saúde dos usuários, provocando náuseas, enjoo e tontura. Além disso, o peso dos fones de ouvido RV causa tensão na cabeça e no pescoço e limita a duração das sessões;
  • A exposição intensa ao convívio em mundos virtuais poderá provocar o isolamento social e a retirada da vida real das pessoas, o que provocará sérios problemas de saúde e de convivência em comunidade.

Eu não acredito que parcela expressiva da população se sinta confortável  para utilizar os dispositivos de Realidade Virtual atuais por longo tempo. Entendo que daqui a alguns anos, com evolução tecnológica, inclusive para a implementação de aplicações de Realidade Aumentada em larga escala, tenhamos interfaces mais amigáveis e de menor custo, superando as restrições hoje existentes para a adoção de aplicações baseadas em Realidade Virtual, que hoje limitam a utilização de aplicações em mundos virtuais, confinados a espaços fechados e não interligados ao mundo físico.

O próprio mercado já começa a dar sinais de que o hype e os momentos de euforia que vivemos nos últimos meses está caindo na realidade. A própria Meta, que foi uma das grandes responsáveis por essa onda de euforia em torno do Metaverso, já começa a sofrer as consequências. De acordo com a Companies MarketCap.com, a Meta Platforms valia cerca de US$ 922 bilhões em janeiro de 2022, sendo uma das dez maiores empresas do mundo em valor de mercado, mas atualmente vale cerca de US$ 272 bilhões, um declínio impressionante de 70% em menos de 11 meses.

Nas últimas semanas de outubro, a Meta, controladora do Facebook, teve uma queda de quase US$ 80 bilhões em seu valor de mercado, depois de relatar uma queda expressiva de 52% nos lucros no terceiro trimestre de 2022. Nos primeiros nove meses de 2022, a divisão focada no desenvolvimento de aplicações e produtos para o Metaverso da Meta (Reality Labs) perdeu US$ 9,4 bilhões, somando-se a uma pesada perda de US$ 10 bilhões em 2021. Hoje, a Meta vale menos que o Home Depot e pouco mais que a Pfizer e a Coca-Cola. Longe dos dias de Big Tech do Facebook, a Meta não está mais entre as 10 empresas mais valiosas do mundo e suas ações estão sendo negociadas a valores inferiores a que eram negociadas no início de 2016.

O CEO da empresa, Mark Zuckerberg, que atingiu no pico uma fortuna de cerca de US$ 140 bilhões, tendo a sexta maior riqueza do mundo no final de 2021, perdeu mais de US$ 90 bilhões nos últimos meses, com a desvalorização das ações da Meta.

Como consequência da pressão dos investidores que cobravam medidas drásticas para reverter o quadro atual, a Meta anunciou no início de novembro a demissão de 11.000 funcionários, o que representa 13% da força de trabalho, e a diminuição expressiva nos investimentos na Unidade Reality Labs, dentre outras medidas de contenção.

Hoje, qualquer aplicação simples baseada em Realidade Virtual ou Realidade Aumentada é alardeada como sendo uma implementação de Metaverso. Ainda estamos vivendo um hype e o que temos hoje são implementações de Universos Virtuais proprietários (exemplos: Roblox, Minecraft, Horizon Worlds, Fortinet, Decentraland e The Sandbox), ainda distantes do conceito de Metaverso. Ainda estamos longe de nos mover livremente por esses Universos Virtuais e o que temos hoje são silos e os ativos não podem ser transferidos livremente entre cada um. O que um dia será o Metaverso ainda se encontra em sua infância, e ainda temos um longo caminho pela frente até que se torne realidade.

 

Edelvicio Souza Junior – Especialista em Inovação Industrial da EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e professor convidado da Fundação Dom Cabral em temas relacionados com a Inovação, Internet das Coisas e Transformação Digital, onde atua em projetos de formação de liderança inovadora para executivos C-Level envolvidos em projetos de digitalização de negócios. Articulista do portal IT Forum, da IT Mídia e Advisor da plataforma ebdiflix, da EBDI (Enterprise Business Development & Information). Membro do Comitê de avaliação do prêmio 100 empresas mais inovadoras do Brasil (edições 2020, 2021 e 2022), organizado pela IT Mídia e do grupo Tudo sobre IoT. Foi membro do Conselho de Tecnologia e Inovação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais e da Câmara IoT, coordenada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que elaborou o Plano Nacional de IoT.

 

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