A revolução da IoT (e o que sua carreira tem a ver com isso)

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7:45 pm - 26 de setembro de 2019
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Os números impressionam. Até 2020, cerca de 25 bilhões de equipamentos tendem a estar integrados a sistemas inteligentes em todo o mundo, num volume de 50 trilhões (sim, trilhões!) de gigabytes (GB) de dados. A expectativa é que a internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) movimente cerca de US$ 19 trilhões até a próxima década, conforme previsão da Cisco – desse montante, a América Latina abocanhará US$ 860 bilhões, e o Brasil será responsável por US$ 352 bilhões. O potencial da tecnologia é gigantesco e as oportunidades para carreira, negócios e empreendedorismo, inúmeras.

 

Enquanto o mundo avança na aplicação de IoT em setores variados, incluindo saúde, agronegócio e logística, o Brasil caminha a passos mais lentos. Mas nem por isso está parado. Neste ano, o país aprovou o Plano Nacional de Internet das Coisas. A tendência é que os projetos com uso da tecnologia ganhem mais fôlego a partir de agora. Por enquanto, o mercado nacional de IoT tem crescido a uma taxa anual de 20% e o avanço de dois dígitos deve ser mantido pelos próximos cinco anos. Nada que possa ser desprezado. Muito pelo contrário. Em 2019, o ecossistema brasileiro de IoT como um todo (que vai desde os sensores até a apuração e tratamento dos dados coletados) deve movimentar ao redor de US$ 9 bilhões, segundo a estimativa mais recente da IDC Brasil.

 

“O Brasil está adotando a Internet das Coisas, mas não na mesma velocidade que as grandes potências. Nosso ecossistema de IoT é 20 vezes menor em relação aos EUA”

 

“É um conjunto de tecnologias e soluções com índice de crescimento muito expressivo porque é algo que as empresas conseguem gerar um retorno muito positivo num tempo curto”, analisa Pietro Delai, responsável pelo mercado de cloud e software para América Latina da IDC. Por mais que o setor tenha evoluído, com cifras cada vez mais polpudas, não há dúvidas de que falta (e muito) para a IoT ser uma realidade como ocorre em outros países. A comparação com o mercado americano assusta: o ecossistema de IoT no Brasil está na casa de 20 vezes menor em relação aos Estados Unidos. “Estamos adotando num ritmo positivo, mas ainda não temos uma posição de destaque”, observa Delai.

 

A boa notícia é que o caminho de oportunidades começou a ser pavimentado. Há, sim, desafios de infraestrutura e conectividade, porém grandes empresas e startups têm driblado esses obstáculos. A aplicação de IoT ganha tração em setores como agronegócio, logística, transportes e energia. “Hoje, as maiores oportunidades estão em indústrias e agronegócio, principalmente para ganho de produtividade e redução de custos”, avalia o engenheiro mecatrônico Flavio Maeda, presidente da Associação Brasileira de Internet das Coisas (Abinc).

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Desde 2009, ele começou a se envolver com o tema e, aos poucos, desenvolveu um trabalho de evangelização sobre IoT. O assunto interessou outros profissionais e empreendedores. Desse grupo, nasceu em 2016 a Abinc. Organizada em comitês, a entidade faz eventos on-line e presenciais sobre o uso de IoT em saúde, cidades, varejo, indústrias, entre outros segmentos. É uma forma, inclusive, de ampliar o conhecimento de pessoas que têm curiosidade aguçada sobre a atuação profissional na área.

 

Universidades investem em formação no setor

 

Assim como em outras áreas da tecnologia da informação, em IoT há um descompasso entre oferta e demanda. O cenário é claro: volume crescente de vagas para poucos profissionais qualificados. “Hoje é praticamente impossível encontrar gente e vai ficar mais desafiador”, prevê Maeda. Para quem deseja ingressar na área, o leque de cursos tem ficado mais amplo, com programas oferecidos tanto por escolas especializadas no mercado digital quanto por instituições de ensino tradicionais, como Poli-USP e PUC-SP.

 

Desde 2015, a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) possui o MBA “Internet of Things (IoT)”. O curso nasceu de uma análise, em 2014, de professores da USP, que enxergaram em 2020 como o ano da IoT. Com três turmas formadas e a quarta em andamento, o programa percorre conceitos de IoT, principais tecnologias e aplicações, por exemplo, cidades inteligentes, logística, saúde, sustentabilidade e segurança pública.

 

Há, ainda, disciplinas de gestão para apoiar quem pretende trilhar uma carreira ou quer empreender na área. “O perfil de profissional que será demandado mistura computação, estatística e eletrônica. Tentamos preparar as pessoas para essa realidade”, conta Kechi Hirama, professor doutor do departamento de engenharia de computação e sistemas digitais da Poli-USP.

 

Criado em 2016, o curso de extensão “Internet das Coisas” da PUC-SP é voltado, principalmente, para estudantes de ciências da computação ou profissionais do mercado de tecnologia. Não é uma exigência ser do setor, mas prepare-se para colocar a mão na massa e “brincar” de linguagens de programação. Em dez aulas, com carga horária de 30h, o programa ensina protocolos de desenvolvimento e comunicação, computação em nuvem (cloud computing) e segurança em IoT.

 

Ao final dos encontros, os alunos desenvolvem um projeto prático. “O curso ajuda a enxergar problemas do dia a dia e ver como a tecnologia pode atuar nesses problemas, como sensoriamento de catracas ou iluminação em função do horário do dia”, explica David de Oliveira Lemes, diretor da Faculdade de Estudos Interdisciplinares da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

 

Habilidades técnicas e visão de negócios são cruciais

 

Em geral, para atuar no mercado de IoT, é preciso vir da área de engenharia da computação. Não é uma regra, claro, mas o conhecimento de linguagens de programação é meio caminho andado, segundo os especialistas. Existem variações de profissionais, como cientistas de dados, engenheiros de telecomunicações e estatísticos. Mas não basta entender de tecnologia e os emaranhados de códigos e algoritmos. Visão de negócios é crucial. “Um dos principais gaps dos projetos de IoT é o desalinhamento entre as áreas de negócios e a área técnica. É como se falassem idiomas diferentes”, aponta Maeda, da Abinc.

 

“Para atuar com IoT, é preciso ir além dos códigos. Possuir conhecimento sobre negócios é fundamental”

 

Na camada mais alta do ecossistema de IoT, onde basicamente são extraídos os dados para a tomada de decisões, a carência de profissionais qualificados é um baita desafio. “Esse gap também existe na área de redes, inclusive com distribuição geográfica não tão favorável, por exemplo, muitos profissionais em São Paulo e pouca gente em lugares onde a rede está chegando”, comenta Delai, da IDC.

 

O engenheiro elétrico Beny Fard, de Jaraguá do Sul (SC), tem acompanhado o tema IoT há anos. Tamanho interesse o levou a dar um foco grande em internet das coisas para a Spin, aceleradora especializada em startups com soluções para a indústria. Segundo ele, IoT é uma das pontes para a quarta revolução industrial, e não só gera oportunidades para pessoas da área de tecnologia, mas também para profissionais que utilizem IoT em negócios.

 

Prova disso é o surgimento de startups que desenvolvem soluções com uso de internet das coisas. Só no portfólio da Spin são oito – 16% do total de startups que já foram aceleradas. Os negócios incluem hardwares para comunicação entre máquinas industriais em mercados como mineração e papel e celulose, além de startups que aplicam IoT no setor elétrico, predizendo a falha de transformadores de energia antes que o problema ocorra. “Existe um campo extremamente fértil para integração de IoT com indústria, protocolos de comunicação em chão de fábrica, para que possua de fato um movimento de digitalização da produção, em direção a fábricas inteligentes”, avalia Fard, CEO da Spin e head de operações do Stanford Research Institute no Brasil.

 

Startup usa IoT para melhorar produtividade no agronegócio

 

Além da indústria, outro setor importante da economia brasileira, responsável por 25% do Produto Interno Bruto (PIB), o agronegócio tem adotado a IoT para medição de área plantada, colheita, controle de irrigação e identificação de pragas e doenças na lavoura. Filhos de produtores agrícolas, os três amigos Mariana Vasconcelos, Raphael Pizzi e Thales Nicoleti enxergaram potencial para desenvolver uma tecnologia que ajudaria a economizar água. Detalhe: vislumbraram a oportunidade em 2014, auge da crise hídrica no país. Daí nasceu a Agrosmart. O modelo de sensores espalhados pela lavoura permite economizar até 60% da água usada na irrigação, além de reduzir em 40% o consumo de energia. Já o aumento de produtividade pode ser de até 15%.

 

“Era um mercado carente de informações e dados, o produtor tomava muita ação baseada em intuição e conhecimento passado por gerações”, explica Raphael Pizzi, diretor de produtos e um dos fundadores da startup. O desafio, no início, era a conectividade no campo. Para vencer essa barreira, os empreendedores desenvolveram uma solução com conectividade própria – hoje, o negócio funciona via satélite, mas também utiliza a rede LoRa, tecnologia de radiofrequência que possibilita comunicação a longas distâncias com baixo consumo de energia.

 

Acelerada pelo Google, em agosto deste ano a startup recebeu um investimento de R$ 22 milhões em rodada liderada pelo fundo inovaBra, do Bradesco, e pelo braço de corporate venture da Positivo. O plano é fortalecer produtos recentes, entre eles, uma ferramenta de previsão de doenças na lavoura, principalmente em plantações de café.

 

Com presença em Estados fortes em produção agrícola, a Agrosmart monitora mais de 250 mil hectares de grandes produtores, como Syngenta, Cargill e Coca-Cola. “Hoje, temos cerca de 200 fazendas na base de clientes, entre corporações e fazendeiros diretamente”, conta Pizzi. A meta é chegar a 240 clientes até o fim do ano, dobrando o faturamento em relação a 2018 – a empresa não divulga os números. O projeto é ambicioso: ser a maior plataforma de agricultura digital da América Latina.

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