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O fim dos CTOs

No início da minha carreira, quando eu era estagiário de TI em uma gestora de recursos, fiquei indignado com uma cena que se repetia todo dia: o analista de operações chegava super cedo e ficava um tempão na impressora grampeando uns papéis. Depois ele ia para sua mesa e ficava o resto da manhã dando “tic” em algumas linhas desses papéis, na medida que comparava um papel com o outro.

Era um processo evidentemente não escalável, se a empresa crescesse, teria que contratar centenas de novos analistas de operações. Fora a quantidade de erros gerados por esse processo e a quantidade de papel gasto. Enfim, a minha transição para “a área de negócios” começou com essa indignação. O “Miguel de TI” não estava olhando para os computadores, estava olhando para as pessoas, para o negócio.

Depois de observar isso, o “Miguel de negócios” voltou a ser o “Miguel de TI”, e desenvolveu um sistema que automatizava o processo todo. O analista de operações agora podia chegar mais tarde, e todas as divergências já estavam prontinhas no email. O CEO da empresa viu isso e gostou. Afinal, além daquela rotina de conferência de papéis, ainda tinham centenas de outras tarefas repetitivas e manuais.

“Vamos colocar a TI pra automatizar tudo!” e aí eu fui desenvolvendo vários sistemas, até o momento em que não conseguia mais desenvolver nada novo porque todo o meu tempo era pra fazer remendos nos sistemas que eu tinha feito antes.

O “Miguel de TI” tinha feito uma grande besteira, uma colcha de retalhos que nenhum outro ser humano era capaz de entender. E todos os processos da empresa começaram a travar. Foi nessa hora que o “Miguel de negócios” voltou. Percebi que não era escalável ficar escrevendo código e criando novos sistemas para tudo.

Na verdade, quanto menos código melhor! E isso soava uma grande contradição, porque pra mim, tecnologia era escrever código, então o que eu estava dizendo era: quanto menos tecnologia melhor.

Já nessa época tínhamos sido comprados por um banco americano, eu era o líder da área de tecnologia. Me dei conta que, como líder de tecnologia, o que eu menos devia fazer era ler e escrever código. Eu precisava ser mais CEO e menos CTO. E assim foi o resto da minha carreira até hoje, oscilando entre CEO e CTO nas diversas startups e empresas por onde passei.

Estava conversando outro dia com o Amure Pinho, Investidor Anjo e fundador da Investidores.vc, e o dilema que estávamos analisando era: os CTOs de hoje vão se tornar os CEOs de amanhã?

Trocando a ordem das palavras, mas mantendo a pergunta, indaguei: mas e os CEOs de hoje, eles vão ser os CTOs do amanhã? Com as empresas se tornando cada vez mais centradas na tecnologia, a estratégia cada vez mais dependente dos avanços tecnológicos, fica difícil delimitar até onde vai a separação dessas duas funções.

Isso significa que os CEOs vão precisar aprender a programar? Acho que não. A propósito, será que o CTO do futuro vai precisar saber programar? Também acho que não. Mas confesso que não sei responder essas perguntas de forma muito objetiva.

Algo que explica essa confusão toda entre os papeis é esse movimento do CEO cada vez mais inserido na tecnologia e do CTO cada vez mais inserido no negócio. Assim, ambos estão indo para direções opostas de seus papéis atuais, mas estão cada vez mais chegando em um ponto comum de atuação.

Sim, os CEOs precisam saber cada vez mais sobre tecnologia, precisam incorporar a tecnologia como um fator (talvez o mais importante) estratégico nos negócios. Precisam olhar para a mesma coisa que o CTO olha.

Nesse sentido, o diretor executivo, que tradicionalmente cuida das pessoas e do dinheiro da empresa, está se aproximando do CTO. Mais ainda nesse cenário onde o que “junta” as pessoas são as telas, o que organiza os processos são os sistemas digitais e o que vende mais é a Internet.

Ou seja, o trabalho do CEO é, de fato, com as tecnologias. Ao mesmo tempo, os CTOs precisam entender cada vez mais sobre os negócios, sobre as pessoas, sobre como a empresa ganha dinheiro. Isso porque é a tecnologia que vai dar escala aos processos e “juntar” as pessoas. Os sistemas digitais que vão controlar e medir os resultados.

Então sim, os CTOs estão deixando de ser os responsáveis de ficar olhando o código. Passam a olhar para a mesma coisa que os CEOs olham. A minha visão é que nem o CEO nem o CTO vão deixar realmente de existir. Só que o CEO vai ser mais tech e o CTO vai ser mais business do que é hoje.

Meio insossa essa conclusão, né? Como sei que você gosta de uma polêmica, aí vai: a polêmica entra quando, em cima disso, concluo que a demanda por programadores, ao contrário do que quase todo mundo pensa, não vai aumentar infinitamente. Pelo contrário, vai começar a cair.

Isso porque cada vez menos as pessoas de negócio vão precisar de programadores para construir novos sistemas digitais. Hoje, se você não sabe, não é preciso programar para criar software. Este, aliás, é um tema para outro artigo. Mas, agora, as pessoas de negócios vão dominar as ferramentas que permitem a elas fazer isso numa velocidade muito maior do que um programador aprende a escrever código.

A nova batalha que, juntos, CEO e CTO vão enfrentar é justamente essa. Minimizar a quantidade de código, ser eficiente no uso dos recursos tecnológicos e dar condições para que todos os funcionários da empresa tenham autonomia para construir suas automações, criar seus sistemas e serem mais produtivos com a tecnologia.

*Miguel Fernandes é sócio da edtech Witseed

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