Data centers mais sustentáveis: como fazer?

Data centers consomem quase 1% da eletricidade gerada globalmente e emitem 0,3% de todo CO2. Redução de impacto é preocupação

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10:00 am - 30 de dezembro de 2021
data center verde Reprodução/Shutter Stock

Em janeiro de 2021, um grupo de provedores de serviços de nuvem e operadores de data center na Europa anunciou a formação do Pacto de Neutralidade Climática para Data Centers. Com signatários de peso como Equinix, AWS, IBM e Google, a iniciativa estabeleceu uma série de objetivos estratégicos de sustentabilidade e a meta de atingir a neutralidade de carbono em operações de centros de dados até 2030 no continente.

O pacto foi considerado uma reação do setor de infraestrutura ao chamado Acordo Verde Europeu, que prevê reduções nas emissões de gases que contribuem para o efeito estufa entre membros da União Europeia. O objetivo central do acordo é tornar a Europa um continente de impacto neutro no clima até 2050.

Do ponto de vista de negócios, a tentativa das empresas participantes é de evitar regulamentações governamentais mais austeras através da autorregulação. Estabelecendo metas e objetivos públicos mais explícitos, essas organizações têm buscado mandar uma mensagem proativa aos órgãos reguladores e mostrar boa vontade e responsabilidade do setor.

Apesar de estar focado na Europa, o surgimento deste pacto também pode ser visto sob uma ótica global. Responsáveis pelo armazenamento e processamento de dados que fazem girar a economia do mundo moderno, data centers têm um alto consumo energético e estão cada vez mais próximos do centro do debate mundial sobre sustentabilidade e uso de energia.

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Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), da qual o Brasil é membro associado, data centers consomem hoje aproximadamente 200 terawatts-hora (TWh) de eletricidade, ou quase 1% da demanda global de eletricidade. Com esse consumo, essas estruturas contribuem com cerca de 0,3% de todas as emissões globais de CO2.

Previsões para o futuro, no entanto, dão conta de uma participação cada vez maior do setor na matriz energética global. Em um trabalho publicado em 2015, Anders Andrae, pesquisador de sustentabilidade em tecnologias da informação e comunicação da Huawei Technologies na Suécia, previu que o uso de eletricidade por data centers chegará a até 8% da demanda global de energia até 2030.

“Sustentabilidade é um item que veio se somar aos demais itens que nós sempre tivemos na comunidade de data centers”, explica Henrique Cecci, diretor sênior de pesquisa do Gartner, em entrevista ao IT Forum. “A gente sempre teve questões de disponibilidade, de riscos, de custos associados a todo o valor desses ambientes críticos, mas essa questão, da sustentabilidade, vem sendo cada vez mais presente”.

O debate no Brasil

Assim como o debate mais amplo de temas ESG (Ambiental, Social e Governança) sobre o qual a indústria de tecnologia se debruçou nos últimos anos, a questão da sustentabilidade em data centers também ganhou corpo no último ano e meio. Com a rápida digitalização pela qual o mundo passou por conta da pandemia da Covid-19, a demanda por dados cresceu de forma exponencial – assim como a necessidade de centros para armazená-los e processá-los.

Com isso, pontua Cecci, do Gartner, planos de transformar data centers em ambientes mais eficientes e mais sustentáveis passaram a ser ponto de atenção por mais investidores, conselhos empresariais e lideranças. O Brasil também embarcou na tendência. “O Brasil, no geral, fica um pouco atrasado em relação a outros países. [Essa tendência] começou muito forte na Europa, e hoje vem afetando muitas empresas nos Estados Unidos. Mas, gradativamente, vem começando no Brasil”, analisa.

Luisa Valentim

Líderes de empresas do setor que atuam no Brasil ouvidos pelo IT Forum ecoam a avaliação. A percepção geral é que abordagens mais sustentáveis já estão dentro dos provedores de serviços de infraestrutura, e começam agora a ser demandadas por clientes – em especial, clientes globais. Para clientes domésticos, questões como o custo e disponibilidade ainda são o fator determinante na hora de fechar negócios.

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“Temos clientes que já estão exigindo ou dando preferência a data centers que têm fonte de energia 100% renovável ou que estão caminhando para isso”, explica Eugênio Couto Cruz, diretor de engenharia da Scala Data Centers. “A gente já tem casos dentro de casa nesse sentido. A maioria dos hyperscale, clientes de nuvem, já tem essa exigência ou preferência, porque lá fora já estão seguindo isso e têm metas”.

“Até antes de 2019, [a sustentabilidade] era um tema que todo mundo estava interessado, mas na hora do ‘vamos fazer?’, tinham outras prioridades”, conta Rogério Fujimoto, COO da Green4T, empresa de soluções de tecnologia e infraestrutura digital. A partir deste ano, no entanto, o executivo afirma que uma série de fatores aumentaram a procura por soluções de retrofit ou por estudo de metodologias sustentáveis.

Rogério Fujimoto

No âmbito privado, a crise hídrica é o maior motivador, diz Fujimoto. Considerada a pior seca desde que as medições começaram, há 90 anos, a atual crise energética tem assombrado o setor de data centers brasileiro com riscos de apagão. “As empresas perceberam que existe não só uma preocupação do mercado, mas nosso problema de crise, e como a gente precisa evoluir para economizar mais. Existe uma busca por eficiência para reduzir custos”, afirma.

Outros representantes do setor também dizem que o problema deve continuar impactando a operação de data centers no futuro, seja através de custos mais altos para clientes ou em novas dificuldades para aquisição de energia. “O que eu sinto falta hoje é de um plano claro para monitoramento e ações em cima dessa crise hídrica. Não tenho visto e é crítico”, avalia Eduardo Carvalho, presidente da Equinix Brasil. “O assunto precisa ser tratado com mais firmeza e atenção. Isso vai afetar o setor produtivo inteiro”.

Preocupação estatal

O setor público também se movimentou em direção da sustentabilidade via consumo menor de energia. Um decreto do governo Federal publicado no fim de agosto estabelece medidas para a redução do consumo de energia elétrica no âmbito da administração pública até abril de 2022.

Para as áreas de TI, o Decreto nº 10.779 estabeleceu uma recomendação expressa para que data centers ou centros de processamento de dados sejam resfriados apenas até o limite do necessário – com até 24 graus para o ar-condicionado. “Isso assustou. Se isso vier para o mercado privado, vai forçar muita gente a melhorar seus projetos”, pontua Eugênio Couto, da Scala.

Professora e diretora do Laboratório de Sustentabilidade da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (LaSSu), Tereza Cristina Carvalho vê com bons olhos as ações que o setor de data centers vem tomando em prol da sustentabilidade no Brasil. Segundo ela, passos importantes de consolidação de servidores e virtualização das máquinas vêm sendo dados de forma paulatina nos últimos anos. Há, no entanto, uma necessidade maior por transparência no setor. “O que falta é um vínculo explícito da matriz energética que está sendo utilizada”, diz.

Henrique Cecci

De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) de 2021, 59,9% do total de energia produzida no país em 2021 veio de hidrelétricas, consideradas fontes renováveis de energia. A energia eólica ocupa a segunda posição, com 9,4% do total. Somados, o gás natural, carvão mineral, petróleo e outros combustíveis fósseis ainda representam 15,2% da matriz brasileira – e parte disso ainda é utilizado por data centers no país.

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“Eu acho que as empresas vão começar a exigir das concessionárias de fornecimento de energia algum atestado ou declaração de que a matriz que estão fornecendo é limpa. O mercado, quando você começa a falar de ESG, as empresas têm sido demandadas nesse sentido. Então elas têm que dar uma resposta a isso”, comenta a diretora do LaSSu.

Para ela, outra iniciativa vista como positiva, mas ainda não adotada em grande escala, seria a oferta de processamento alternativos, de baixo consumo energético, por parte de provedores de infraestrutura de TI aos clientes. “Muitas vezes, clientes podem preferir ter menor desempenho, ou fazer processamento em horários noturnos, para ter maior eficiência energética”, opina. “Estão faltando políticas que vinculem sustentabilidade e desempenho. Eu não vejo isso vendido como serviço”.

Regulamentação ou autorregulamentação?

Signatária do pacto europeu de empresas do ecossistema pela neutralidade de carbono em data centers, a companhia de serviços de infraestrutura Equinix tem uma estratégia de sustentabilidade organizada em nível global. Na Américas, por exemplo, hoje 94% da energia comprada pela Equinix já é considerada de fontes renováveis. E essa estratégia, é claro, tem um impacto direto na operação da organização no Brasil.

Presidente da Equinix no Brasil, Eduardo Carvalho afirma que a adoção de políticas mais verdes pela empresa no continente europeu pode ajudar a pautar outras regiões da Equinix pelo mundo. Segundo o executivo, o Brasil ainda está em uma “curva de aprendizado” sobre o tema, mas antecipa que a organização já tem discussões para que “premissas globais” alinhadas às metas europeias sejam estabelecidas em outras regiões da empresa.

Eugênio Couto Cruz

O movimento antecipa o que, na avaliação de Carvalho, será um novo momento de regulamentação para o setor. “É óbvio que a gente prevê, sim, uma regulamentação muito mais forte daqui para frente”, comenta. “Mesmo porque a pressão vai ser grande em relação ao clima. É um movimento que ainda não nos bateu da maneira como deveria. Com certeza, se o país não tiver a par com essas questões globais, ele vai sofrer no investimento externo”.

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Para Luisa Valentim, diretora de recursos naturais e energia da Scala Data Centers, a discussão da sustentabilidade tem sido hoje puxada pelos setores privados da economia brasileira. Segundo a executiva, o mais próximo de um debate regulatório que o setor enfrenta no Brasil é a regulação do mercado de carbono nacional, que colocaria taxas ou impostos sobre a emissão de carbono no país.

“Isso é uma discussão superimportante para o setor de data centers”, avalia. “Caso eles não tenham origem renovável, eles terão um custo adicional para casa emissão de carbono. Isso está muito mais perto do que a gente imagina, já acontece no Chile, no México, na Colômbia. Isso deve acontecer em breve no Brasil, e, dependendo da taxa que tiver, vai ter um impacto sobre preço relevante”.

Uma questão de eficiência

No mundo dos data centers, uma métrica frequentemente associada à questão da sustentabilidade é o chamado PUE, sigla em inglês para Power Utilization Effectiveness – ou efetividade da utilização da energia. O número é resultado do consumo total de energia de um data center dividido pelo consumo dos sistemas de TI. Seu objetivo é medir a eficiência de um sistema: qual o total de energia que está se gastando além daquela necessária para manter equipamentos de computação, armazenamento e comunicação funcionando.

Dados de 2020 do Uptime Institute colocam a média global de PUE em 1,59. Entre as regiões mais eficientes estão Europa (1.46) e Estados Unidos e Canadá (1,53). Na ponta oposta, estão a África e o Oriente Médio (ambos 1,79) e a América Latina (1.77). No Brasil, as estruturas apresentam índices bastante variados de eficiência, com data centers que vão de 1.4 de PUE até 2.4.

Para Henrique Cecci, do Gartner, ainda que os indicadores sejam fracos, a perspectiva futura brasileira é positiva. Conforme coloca o analista, o país mais que dobrou a sua base instalada de capacidade computacional nos últimos cinco anos, quando analisado o consumo em Megawatts por data centers. Isso torna boa parte da estrutura brasileira mais jovem que as de regiões como os Estados Unidos.

“O Brasil tem comparativamente ambientes mais modernos, mais novos, do que países que já estão nisso há muito tempo. Isso traz um diferencial”, explica o diretor de pesquisa. “O ciclo de vida útil dos data centers é longo, então aqueles construídos lá atrás não imaginavam que [a sustentabilidade] seria um ponto forte. Hoje é”.

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