Mesmo com algoritmos, a escolha fácil é por iguais

Se você não tem ideia do poder dos algoritmos, vá até o Google e busque pela palavra líder. Conte quantas imagens com mulheres aparecem.

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6:26 pm - 11 de janeiro de 2020
Pessoas confiam nos algoritmos mais do que as empresas percebem Pessoas confiam nos algoritmos mais do que as empresas percebem

Ao redor de 1915, Katharine Briggs mergulhou em estudos para compreender melhor o seu genro, Myers. Ele era lógico e atento a detalhes, o que era muito diferente da natureza intuitiva e imaginativa dela e de sua filha. Anos depois, um insight veio com a leitura do livro “Tipos Psicológicos”, de Carl Jung.

O fato de poder entender que seu genro era racional e introvertido, e elas intuitivas e sentimentais, as tornou entusiastas da tipologia de Jung. Isso levou Isabel, a filha, a criar um instrumento de avaliação de pessoas, mesmo com a irritação da mãe que não acreditava que a tipologia de Jung pudesse ser capturada por um questionário. Esse instrumento conhecido como Myers-Briggs Type Indicator, ou MBTI, é possivelmente o instrumento de “assessment” mais popular e utilizado na história das organizações — mesmo que, nem Katharine, nem Isabel, tenham tido algum tipo de formação em psicologia. Dados de 2004 mostravam que o MBTI era aplicado em 2 milhões e meio de pessoas por ano.

Mas, apesar dessa popularidade, há algumas décadas várias pesquisas questionam a validade (o quanto o instrumento mensura exatamente o que pretende medir) e a confiabilidade estatística (se medido em momentos diferentes gera o mesmo resultado). No meio acadêmico, a credibilidade do MBTI é tão baixa que pesquisadores simplesmente ignoram a existência do instrumento em prol de outros com mais suporte científico. Mas, nada disso impede as organizações de continuarem a utilizar o MBTI e vários outros instrumentos sem a devida cautela e considerando suas limitações.

O custo da falta de conhecimento vai além do dinheiro gasto com os instrumentos. Milhões de decisões de carreira e sobre indivíduos foram tomadas baseadas na aplicação dessas ferramentas que, com grande probabilidade, não tiveram impacto positivo no ‘bottom line’ das organizações. Bem possível que tenha ocorrido o contrário —instrumentos, em vez de serem utilizados para compreender o outro, são constantemente usados para rotular pessoas e questionar sua adequação à cultura da empresa— o que simploriamente é denominado ‘fit cultural’ por quem interpreta os resultados.

Essa displicência pode custar ainda mais agora que tecnologias sofisticadas como ‘machine learning’ e inteligência artificial começam a ser adotadas com a mesma finalidade, prometendo que os algoritmos darão maior precisão na identificação e no monitoramento dos indivíduos.

A maioria desses algoritmos interpretam dados existentes sobre pessoas e suas tarefas e sugerem atalhos para se obter resultados, no caso de empresas, mais receita e lucro. Sistemas entregam o que foi pedido, não existe julgamento. Em uma dinâmica entre pessoas, o caminho mais curto de se atingir resultados é matando a diversidade e mantendo pessoas parecidas entre elas.

As tecnologias alcançam o óbvio: pessoas diferentes trabalhando juntas, no curto prazo, demoram mais para realizar uma tarefa. Isso ocorre porque a diversidade demanda tempo para que os membros do grupo desenvolvam afinidades e tomem decisões melhores e mais rápidas.

Esses também não compreendem que grupos diversos podem, ao longo do tempo, ser mais eficientes para o futuro da empresa no que se refere à melhor compreensão de cenários de negócios, diversidade de ideias e inovação.

Se você não tem ideia do poder dos algoritmos, vá até o Google, clique no menu imagens e busque pela palavra líder. Conte quantas mulheres e pessoas de minorias raciais aparecem nas imagens. Poucas, não? Ele apenas reflete (e influência) a percepção da realidade que existe na mente de quem desenvolveu as imagens. Muitos dos novos instrumentos também geram uma compreensão limitada à realidade que existe, e não a que se quer construir.

“Cada indivíduo é uma exceção à regra” disse Carl Jung em seu livro “Tipos Psicológicos”, o que deve ter sido ignorado pela mãe e filha idealizadoras do MBTI. Sempre ouvi que pessoas são contratadas pelas capacidades técnicas e demitidas pelas sociais e emocionais. Mas, o outro lado dessa história, que poucos comentam, é que pessoas são demitidas pela incapacidade de as organizações lidarem com o diferente. A má escolha e o uso inadequado de instrumentos de avaliação, tradicionais ou mais sofisticados, apenas refletem a ignorância e o modelo mental daqueles que a estão usando.

*Por Claudio Garcia, Vice-presidente executivo de estratégia e desenvolvimento corporativo da consultoria LHH, baseado em Nova York.

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