Software livre no governo brasileiro

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9:14 am - 16 de julho de 2015

Causou-nos estranheza notícia veiculada há poucos dias nos canais de comunicação de diversos órgãos do Governo Federal, relacionados à Tecnologia da Informação, convidando para um evento de comemoração dos dez anos da comunidade CACIC, uma das soluções de software livre ofertadas no portal público.

Ainda, esse software é descrito no portal como um dos projetos pioneiros, que conta com uma comunidade de mais de quarenta mil interessados. Segundo a descrição oficial, “a atual versão é resultado do apoio no desenvolvimento dado pela Dataprev, Ministério do Planejamento, Procuradoria Geral da Fazenda e membros da comunidade”.

Projetos como este são o resultado de mais de uma década de investimento de dinheiro público em software livre (com base legal apenas em portarias e instruções normativas).

A comemoração em questão só serve para provocar novamente uma avaliação dessa política: quem ganhou com ela, fora do círculo de interessados diretos no assunto?

Desde o surgimento do manifesto do software livre em 1984, nos Estados Unidos, a promessa de independência tecnológica foi propalada como um dos benefícios do software livre. Entretanto, passados mais de trinta anos, nenhum pais no mundo conseguiu concretizar essa promessa.

Se observarmos a realidade nacional, o quadro é no mínimo preocupante: a participação da indústria local de tecnologia da informação no mercado continua caindo progressivamente, e o balanço de pagamentos gerado pelo uso da tecnologia no Brasil só cresce.

O apoio ao software livre não apenas não tem sido capaz de mudar este quadro, como tem se revelado um desperdício de dinheiro publico, considerado como política publica: com base no Censo do Setor de TI, que atingiu 19 países em 2014, sabemos que tanto o uso de software livre no Brasil assim como a adoção do modelo correspondente pelas empresas para distribuir suas soluções é notadamente inferior ao de países que não desenvolveram absolutamente nenhuma política publica nesse sentido.

Ao construir software usando dinheiro e funcionários públicos seguindo esta política, o governo retirou recursos humanos especializados da iniciativa privada para desenvolver produtos de software. Já pensaram o nível de reclamação se isso fosse feito com pães, automóveis, livros ou musica?

Assim, em vez de usar o poder de compra do governo como uma forma de investimento para alavancar a indústria local, foi feita a opção por aumentar a despesa corrente do governo, com salários.

Se esse dinheiro tivesse sido usado para o fortalecimento da indústria local, não estaríamos amargando, conforme outro dado do Censo do Setor de TI, a pior posição como exportador entre todos os países avaliados (em porcentagem de empresas que exportam), ficando inclusive abaixo de todos os demais países da America Latina.

Finalmente, constatamos que essa oportunidade já foi perdida: a computação em nuvem, baseada em datacenters privados e públicos, onde todos os fornecedores não só interoperam suas soluções com as dos outros, como as rodam em seus próprios equipamentos, torna inútil qualquer discussão sobre custo de licenças. A computação em nuvem é comercializada como serviço, para todos.

Nesse contexto, o software livre é apenas mais uma das tecnologias disponíveis. E certamente não e a tecnologia que gerou essa inovação. Alias, os grandes projetos de software livre sempre se caracterizaram por tornar ‘livre’ tecnologia já existente: esse modelo é pobre na sua capacidade de gerar inovação disruptiva.

Retornando aos esforços de disseminação do software livre pelo governo, por meio do Portal de Software Publico, questionamos: esse portal livremente acessível qualquer lugar do mundo, permite que outros países se beneficiem do investimento de dinheiro publico brasileiro. Que ganhamos, como pais, em troca disso?

A continuada falta de compreensão desta questão por parte do Governo Federal (e de vários outros governos) é preocupante. A notícia alvissareira é que temos observado a compreensão sobre esta questão sendo ampliada no Congresso Nacional, um passo fundamental para possibilitar políticas publicas mais adequadas ao Brasil.

Contrapondo estes fatos à festa que nos motivou ao voltar ao tema, financiada com dinheiro publico, resta ainda outra pergunta: alem dos organizadores, quem participou dessa comemoração? Passadas já algumas semanas do evento, ainda não foi veiculado sequer o número de participantes.

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