¿Qué pasa en Cuba?

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12:57 pm - 30 de junho de 2015

Há poucas semanas, tive a oportunidade de visitar Cuba pelo segundo ano consecutivo, para participar da edição 2015 do evento FELTI (Fórum de Empresários e Líderes em TI), que reuniu participantes de cerca de quinze países latino-americanos e europeus.

Nesse evento apresentei tanto temas técnicos (relacionados à computação em nuvem) como temas ligados ao associativismo (detalhando a motivação e o conteúdo do livro “Juntos Somos Mais!”).

Neste artigo, porém, gostaria de compartilhar minhas impressões sobre a evolução geral do país. Em 2014 estive apenas na capital (quando gerei o relato “Crônicas de La Habana”). Desta vez, porém, visitei várias regiões do interior do país incluindo áreas de preservação ambiental, pequenos povoados, cidades pesqueiras e áreas reservadas para a recepção de turistas internacionais.

Do ponto de vista político não houve mudanças importantes. Mas, o discurso oficial cita o acordo de retomada de relações com os Estados Unidos como um fato histórico, com ‘antes’ e ‘depois’.

Por isso, busquei e analisarei aqui os sinais relacionados ao processo de abertura e reforma econômica. Este processo iniciou-se há quase vinte anos com a introdução de um sistema monetário duplo: além do tradicional peso cubano (conhecido pela sigla CUP), foi lançado o peso conversível (que usa a sigla CUC e tem lastro em reservas internacionais) com valor equivalente a um dólar americano (com pequenas oscilações ao longo do tempo).

A economia interna do país continua a funcionar com base no CUP, inclusive o pagamento de salários aos cubanos (é preciso lembrar que, apesar de que a propriedade de imóveis por pessoas privadas já seja permitida há alguns anos, todas as empresas existentes em Cuba são de propriedade do estado até o momento – tratarei de algumas exceções mais adiante).

Atualmente a cotação do CUC equivale a 25 CUPs, o que torna os salários e preços internos, quando expressados em moeda ‘forte’, extremamente baixos: por exemplo, um funcionário do Banco Central de Cuba, com pós-graduação em economia, recebe um salário em CUPs que não alcança a 100 CUCs (ou dólares). Trabalhadores com menor grau de qualificação, que atuem em indústrias ou na agricultura, recebem salários mensais na faixa de 500 a 600 CUPs (vinte a vinte e quatro dólares).

A economia do CUC é reservada para os turistas estrangeiros, os investimentos estrangeiros, as exportações e importações. A meta de unificar as duas moedas numa única parece se distanciar: o próprio estado cubano, como principal empregador, não dispõe de recursos suficientes para pagar salários em CUCs.

No site do Banco Central de Cuba diz literalmente: “La existencia de una doble circulación monetaria es un aspecto que dificulta la conducción de la Política Monetaria en la actualidad. Este es un tema de atención y cuya solución está vinculada al crecimiento de la economía del país, al incremento de financiamiento del déficit por Cuenta Corriente de la Balanza de Pagos, sobre todo a mediano y largo plazo, y al incremento de las Reservas Internacionales a niveles aceptables. En estos años se han realizado distintos trabajos de investigación, por especialistas del Banco Central de Cuba, donde se analizan las experiencias de otros países latinoamericanos que enfrentan una situación similar.”

Na prática, este sistema está gerando distorções, que iniciam no ambiente econômico, mas alcançam a esfera dos pequenos crimes: ouvi, com pedido de manutenção do sigilo dos interlocutores, diversos relatos sobre pequenos furtos pelos trabalhadores nas empresas cubanas, sempre justificados por necessidades econômicas. Se uma peça qualquer de roupa importada custa mais que o salário do mês, então o ‘jeitinho’ cubano consiste em desviar uma pequena parte da produção das empresas para comercialização no mercado ‘não controlado’.

Outro exemplo, que vivenciei numa pequena cidade pesqueira, diz respeito à pesca da lagosta cubana, uma iguaria única (graças à temperatura privilegiada do mar do Caribe). A legislação em vigor determina que toda lagosta pescada seja vendida pelos pescadores ao estado em CUPs – este por sua vez revende as lagostas aos turistas internacionais nos hotéis, em CUCs.

Porém, as pequenas pousadas e restaurantes familiares (que foram autorizados a funcionar como pessoas físicas autônomas ao longo de todo o país) servem a lagosta a preços muito menores, de forma clandestina, nas regiões onde ela é pescada.

Outro aspecto que chama a atenção ao percorrer o interior de Cuba, é a grande extensão de terras ociosas: a gestão estatal da produção agrícola não foi capaz de manter, por exemplo, o nível de produção da tradicional cana de açúcar (que há décadas era o principal produto de exportação). Para qualquer brasileiro acostumado a abastecer seu carro com etanol produzido a partir da cana, isto evidencia uma enorme oportunidade perdida.

Da mesma forma, a produção dos tradicionais charutos cubanos encontra restrições para crescer. Tomei também café orgânico moído a mão no interior do país – assim produzido pela impossibilidade de acesso, por parte dos produtores, a fertilizantes, pesticidas ou energia elétrica para moer os grãos. Intentei comprar deste café, mas não havia estoque disponível para a venda: ele é basicamente permutado com outros pequenos produtores.

Soube de um programa de ‘dinamização’ da produção agrícola que contempla o arrendamento de terras para a iniciativa privada, desde que esta inclua a cessão de uma parte da produção para o estado cubano.

A comprovação dessas dificuldades de produção está nos supermercados: mesmo no bairro da capital onde estão a maioria das embaixadas estrangeiras (Miramar) há gôndolas e mais gôndolas vazias, e cerca de oitenta por cento dos produtos disponíveis são importados (e, portanto, acessíveis somente a quem participa da economia do CUC).

Estive também em Mariel, localidade onde se situa a área de desenvolvimento econômico especial cujo porto recebeu financiamento do brasileiro BNDES: os planos são semelhantes ao que nós chamamos de uma ‘zona franca’, com o detalhe que ela está reservada a quem puder investir em CUCs.

As regras para o investimento estrangeiro foram modificadas em 2014 com a aprovação de um novo marco legal específico, que inclui a obrigação de pagar salários em CUCs aos empregados dos projetos resultantes.

Entretanto, continua valendo a regra que a criação de qualquer empresa local ou projeto de investimento estrangeiro (comparável a uma empresa estrangeira, mas com status legal diferente) tem que ser aprovada pelo Conselho de Ministros e contar com a assinatura do presidente da república. Desconsiderando quaisquer dificuldades de ordem política que essa regra possa implicar, ainda se constitui num gargalo à rápida ampliação da atividade econômica.

Há poucas exceções a essa regra: pessoas físicas podem se reunir em cooperativas, para prestar serviços de qualquer tipo, e podem contratar até dez funcionários pelo prazo máximo de um ano. Elas podem funcionar de forma provisória até obter a sanção presidencial.

Ainda, cresce o número de indivíduos que atuam como ‘cuentapropistas’, substantivo inventado pelos cubanos para designar quem trabalho por conta própria.

Nas conversas com ‘cabeças pensantes’ pude perceber que existe uma consciência crescente de que Cuba não pode continuar numa direção econômica contrária à praticada no resto do mundo, sendo nessas conversas inevitável a comparação com a ‘socialista’ China: “a China é socialista sim, mas à sua maneira” – essa a opinião mais frequente dos cubanos.

Concluo, portanto, que Cuba se encaminha para um momento crítico da sua evolução econômica: ou o governo segue os exemplos de abertura econômica dos países da Europa Oriental, que também viveram em economias controladas de forma central durante o período de influência da União Soviética, ou estará condenando o povo cubano a um empobrecimento crescente, tanto no aspecto econômico como nos aspectos morais.

Diante do cenário político, essa decisão cabe apenas às mais altas autoridades do país. O adiamento dessa decisão trará consequencias negativas para o povo cubano. Há quem, sob sigilo, questione se essas autoridades estarão presentes (dada sua avançada idade) para ver isto acontecer.

Com base no cenário atual e nas perspectivas criadas pela legislação em vigor, a influência estrangeira deve crescer muito rapidamente assim que os capitais estadunidenses possam fluir para Cuba (em função dos recentes acordos).

A transição para um ambiente de liberdade de empreendimento econômico, se não autorizada a tempo para os cidadãos locais, será forçosamente restrita aos capitais estrangeiros, excluindo a maioria dos cubanos.

Não é isso que desejamos como latino-americanos que gostariam de ver Cuba se transformar num lugar melhor para os cubanos.

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