O revezamento 4×100 das startups

Há novos e maiores investimentos sendo feitos em 2020: o risco é de o entusiasmo e o sucesso de curto prazo trazerem efeitos colaterais perversos

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por IBGC
8:39 pm - 05 de outubro de 2020
startups investimento

Aos que são atuantes no meio e acompanham as notícias e relatórios sobre o mercado de startups e Venture Capital (VC) no Brasil, as notícias de investimento têm se mostrado positivas. O investimento anjo alcançou a marca de R$ 1,1 bilhão e mais de 8 mil anjos em 2019. No âmbito mais amplo, considerando fundos e aquisições por grandes empresas, apenas em julho de 2020 houve um aporte de R$ 10,8 bilhões, equivalendo a 84% de tudo o que foi investido em 2019. Ao se olhar com um pouco mais de detalhe, porém, percebe-se um certo descolamento entre a realidade do investimento anjo e a do Venture Capital. Enquanto no primeiro caso a tendência e os bons resultados de 2019 estão em xeque com pesquisas apontando queda da ordem de 10% para 2020, no segundo os números citados falam por si mesmos.

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A dinâmica do mercado de empreendedorismo inovador de alto impacto tem uma sequência natural conhecida e consolidada das etapas de investimento – Family & Friends (FF), Anjos, VC, Private Equity (PE)/Initial Public Offering (IPO). Fazendo uma analogia ao mundo dos esportes, é um revezamento 4×100, onde os quatro corredores têm um objetivo comum e as passagens de bastão são os momentos críticos. Se alguém falhar ou o primeiro corredor não largar, pode não haver bastão a ser passado. E qual o impacto se isto ocorrer?

Há uma reflexão maior a se fazer. Logo após o início da pandemia, era voz uníssona de todos os gestores de VC e PE nas diversas lives das quais participei que haveria maior cautela e ponderação na aplicação do capital disponível, e que o mesmo seria utilizado prioritariamente nas empresas já investidas, em follow-ons e proteção do caixa. Mas esta não parece ser a realidade, pelos números já apresentados aqui. Há novos e maiores investimentos sendo feitos em 2020. Então o risco é de o entusiasmo e o sucesso de curto prazo trazerem efeitos colaterais perversos no longo prazo.

Tenho assistido de três a quatro pitches de startups por semana e alguns aprendizados têm se mostrado importantes. Desde janeiro, exceto pelo pico da crise em março e abril, onde dez entre dez lives eram sobre o que relatei há pouco, meu sentimento é que, para muitos, já voltamos à normalidade. Startups com foco no B2C e as B2B concentradas em micro e pequenas empresas sofreram e continuam a sofrer, mas as demais já quase recuperaram seu ritmo anterior de crescimento. E há segmentos (Edtechs e Healthtechs) onde parece haver um descompasso na relação oferta e demanda, ou seja, há mais capital disponível que startups para se investir. E a consequência é que estão “caras”.

A combinação dos fatores, menos capital de anjos para rodadas iniciais, valuation mais alto por escassez de oferta, abundância de capital nos VCs e investidores na bolsa ávidos por novas oportunidades, poderá trazer dores à frente.

Poderá ocorrer um desequilíbrio na cadeia de fomento e risco de abrir-se um gap no amadurecimento das startups mais jovens, que não poderão contar com a orientação e proximidade de investidores anjo.

Não tenho a pretensão de estar certo em meu ponto de vista, apenas de trazer esta reflexão para os que fazem parte deste ecossistema de empreendedorismo e inovação. Vejo com bons olhos refletir sobre o tema e eventualmente corrigir rumos, no sentido de garantir que todas as etapas do ciclo de vida das startups possam, de fato, acontecer e que os stakeholders deste mercado possam continuar a se beneficiar do grande potencial que esta classe de ativo vem proporcionando ao mercado de capitais.

 

* Giancarlo Berry é sócio da AcNext capital e membro da Comissão de Startups e Scale-Ups do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)

* Este artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC

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