A Regulação do Mercado de Trabalho em TICs (III)

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9:51 am - 14 de agosto de 2013

Na primeira parte desta série de artigos, definimos o contexto para a necessidade de regulação do Mercado de Trabalho em TICs. Entendemos por regulação a ?necessidade de dispor de regras?. Já no segundo artigo, analisamos alguns argumentos a favor da regulamentação (que não deve ser confundida com regulação!).

Agora, focarei nos argumentos contrários à adoção de uma regulamentação das profissões em TICs.

Um dos perigos aliados a qualquer profissão regulamentada é a transformação da obtenção de um diploma num fim em si mesmo, e não num meio para se formar bons profissionais. A obtenção de um diploma não transforma ninguém num ?craque?. Há profissionais com diploma que são incompetentes, e outros sem diploma que são verdadeiras ?estrelas?. E é fato bem conhecido que há muitas instituições de ensino superior que colocam a lucratividade do negócio ?diploma? acima da qualidade dos seus cursos. Tornar o diploma requisito único para o exercício da profissão levará os profissionais que usam o diploma como fim, a se tornarem ainda mais acomodados. O melhor exemplo nacional que temos é o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, instituído como forma de barrar os ?apenas diplomados? do exercício da profissão. No Setor de TI seria necessário criar primeiro esse órgão capaz de organizar esses exames…

Outra questão fundamental é que qualquer regulação precisa levar em conta a realidade do mercado. Nas profissões de TICs, de um total de 1,2 milhões de profissionais, apenas 350 mil são graduados em cursos superiores relacionados à área. Anualmente, as instituições de ensino superior formam pouco menos de 40 mil novos profissionais.

Formar todos os profissionais em atividade em poucos anos, num cenário de transição, será extasiante apenas para as instituições de ensino que cobrariam por isso. Mais, a incapacidade de contratar novos profissionais fora dessas regras levará as empresas a contratar cada vez mais serviços de profissionais em outros países: a disputa de recursos humanos qualificados em TICs se tornou global há muito tempo. O mero ?custo Brasil? já está levando muitas empresas a buscar esse caminho… o que ganharemos como sociedade reforçando essa tendência, além de aumentar nossa dependência do Exterior e prejudicar a balança de pagamentos?

Outro aspecto quase único das profissões do Setor de TIC diz respeito à velocidade com que novos perfis são criados, muitas vezes sem uma definição clara de atribuições: a profissão de ?webmaster? está em uso há vinte anos, mas sua descrição não é unanimidade. O que dizer então de atividades profissionais mais recentes, como ?analista de redes sociais? e tantas outras funções que são criadas pelas empresas em função da evolução da tecnologia? Indubitavelmente, nosso processo legislativo é lento: definir estas profissões por meio de Lei, portanto, poderá transformas novas profissões que surgirem em ?fora da lei? ? levando os profissionais que as seguirem a emigrar do país, e reforçando a necessidade das empresas de contratar mais profissionais qualificados no Exterior. Qualquer regulação a ser criada deve conter mecanismos que permitam reagir de forma rápida à evolução tecnológica.

Outro aspecto extremamente importante a ser observado é que a Tecnologia da Informação possui características semelhantes a ciência básica e ao jornalismo: elas se aplicam de forma transversal em campos de conhecimento muito diversos. Assim como a estatística é aplicada por profissionais de saúde na avaliação de epidemias ou novos remédios e por cientistas políticos ao avaliar pesquisas eleitorais, assim como um profissional de TI pode ser um excelente jornalista para tratar de temas do Setor, assim a própria Tecnologia da Informação permeia atividades que vão desde a informatização de equipamentos médicos usados em tratamentos de saúde, passando pela informatização da administração e chegando até as urnas eleitorais. Esse fenômeno é chamado de ?transversalidade das TICs? pelos economistas.

Ao regulamentar as profissões de TICs, admitimos implicitamente que os profissionais desta área são sistematicamente mais bem preparados para desenvolver o software dos equipamentos médicos do que qualquer profissional formado na área de saúde; qual a razão para descartar esse talento por Lei, num mundo onde a interdisciplinaridade das equipes se torna cada vez mais um item essencial à competitividade das empresas? Assim como o software de sondas espaciais e satélites precisa de engenheiros especializados na área, o mesmo se aplica a cada aplicação das TICs na sociedade, que sabidamente não para de crescer. A inovação que surge desses processos interdisciplinares está criando as novas empresas globais.

Outro problema que teremos é compatibilizar a opção do governo brasileiro pelo software livre com uma possível regulamentação: os casos de sucesso apresentados estão cheios de exemplos de profissionais bem sucedidos sem formação superior específica ? há casos até de adolescentes autodidatas envolvidos. Na hipótese de se aprovar uma regulamentação da profissão, os produtos gerados por estes times teriam que deixar de ser usados?

Finalmente, é importante observar que, na ausência de qualquer regulação, o próprio mercado vem caminhando há um bom tempo nessa direção: mecanismos para certificar e selecionar os melhores profissionais de mercado foram criados por grandes fornecedores globais de produtos, e também por organizações independentes (p.ex. PMI, ITIL, CompTIA). O profissional que possui essas certificações demonstra ao empregador (atual ou potencial) que ele dispõe efetivamente de um conhecimento que o diferencia dos demais. A utilização desse mecanismo, tanto pelos profissionais como pelas empresas, tem caráter meramente voluntário.

No próximo e último artigo desta série farei um balanço geral da situação, incluindo uma proposta concreta para ?desencalacrar? o processo de regulação, estagnado há décadas na forma de vários projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional.

*Roberto Carlos Mayer ([email protected]) é diretor da MBI (www.mbi.com.br), vice-presidente de Relações Públicas da Assespro Nacional e presidente da ALETI (Federação das Entidades de TI da América Latina, Caribe, Portugal e Espanha).

 

 

 

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