A presença da mulher negra no mercado de tecnologia

Mesmo com algumas empresas buscando colocar mais mulheres em seu quadro de funcionários, as negras continuam à margem

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5:32 pm - 15 de abril de 2019
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As mulheres estão, sim, ocupando mais espaços no universo da tecnologia, mas isso não significa, necessariamente, que as oportunidades são iguais para todas. Na Campus Party deste ano, por exemplo, a presença delas foi maior no público e nos painéis. É gratificante saber que, em 2008, na primeira edição brasileira do evento, apenas 8% do público era feminino e que, 10 anos depois, esse número chegou a 47%.

Para as mulheres atuantes na tecnologia é, sem dúvida, animador observar esse movimento. Antes de nós, muitas outras tiveram que quebrar barreiras em uma sociedade ainda mais conservadora do que a atual para abrir caminhos e espaços que ocupamos hoje.

Contudo, o avanço das mulheres nas áreas conhecidas pela sigla STEM (do inglês, Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) não se dá de forma equilibrada: há uma disparidade enorme entre brancas e negras – com estas seguindo à margem, como minoria.

O crescimento da participação feminina na Campus Party é inegável, mas quantas mulheres negras estiveram no palco principal como palestrantes? Respondo: duas. Maitê Lourenço, CEO da BlackRocks Start Up, que integrou o primeiro painel completamente feminino a ocupar o palco na história do evento, e Joana D’Arc Félix de Souza,  química brasileira reconhecida no mundo inteiro, vencedora de mais de 80 prêmios.Uma das barreiras é a invisibilidade da história das mulheres negras.

Em março, promovemos, em parceria com a Intel, a “Editatona #MaisMulheresNaTecnologia”, com o objetivo de melhorar a representatividade na Wikipédia brasileira – a cada 100 biografias, apenas 17 são de mulheres. Reunimos cerca de 104 nomes a serem traduzidos, editados ou criados do zero e, durante o evento, que aconteceu dia 9 de março, conseguimos acrescentar cerca de 40 novos perfis no site.

Para mapear as referências, levantamos que, entre os 904 vencedores do prêmio Nobel nas categorias Fisiologia, Medicina, Física, Química ou Economia, por exemplo, as mulheres correspondem apenas à 51 deles. Mulheres negras? Somente 3 foram laureadas.

Apesar de representarem 10,7% dos diplomas concedidos a mulheres na área de STEM nos Estados Unidos, as afro-americanas compõem menos de 1% do total de profissionais empregadas nessas indústrias. O dado é da pesquisa “Por que tão poucas? Mulheres afro-americanas em Ciência, Tecnologia e  Engenharia”. Isso demonstra o racismo estrutural de nossa sociedade: o acesso às oportunidades é desigual e mesmo os critérios de reconhecimento são enviesados.

A invisibilidade é tamanha que faltam dados que deem conta da disparidade racial dentro da tecnologia. Motivada por isso, a PretaLab, iniciativa do Olabi, fez um levantamento, em 2017, de 570 mulheres negras e indígenas que trabalham desenvolvendo tecnologias. O objetivo, segundo o estudo,  é oferecer subsídios para “refletir sobre a importância dos estímulos (programas e políticas públicos e privados) para que as mulheres negras e indígenas ocupem cada vez mais esses espaços que, além de um lugar de poder, são um lugar cultural – um lugar que busca abalar a solidez do racismo arraigado na cultura do nosso país”.

Na iniciativa privada, tivemos dois exemplos recentes: a Google, por exemplo, identificou que o requisito do inglês como segundo idioma era um obstáculo na hora de contratar jovens negros para estágio – estima-se que menos de 3% dos brasileiros possuem algum grau de fluência no inglês. No início do ano, então, eles lançaram o Next Step, um programa de estágio com foco em atrair estudantes negros e, pela primeira vez, a fluência em um segundo idioma deixou de ser obrigatória para participar do processo seletivo. Os contratados serão capacitados nas habilidades necessárias dentro da própria companhia. Outra empresa de tecnologia, a ThoughtWorks, realizou um processo seletivo exclusivo para contratar pessoas desenvolvedoras negras: o Enegrecer Recrutamento Expresso. A iniciativa foi construída por pessoas negras da companhia como resposta ao racismo ainda velado no mercado de trabalho. “Com isso a gente consegue começar a reparar um dano histórico, e, acima de tudo, construir caminhos que nos levem a igualdade racial”, disse Melina Deraldo, desenvolvedora na ThoughtWorks Brasil, no vídeo da ação.

São necessárias mais ações como essas. Não há como falar de diversidade de gênero na tecnologia sem entender que “mulher” é algo diverso em si, sem trazer outros recortes, como de raça, social, sexualidade, capacidade e territórios, entre outros. Apenas reconhecendo a intersecção desses sistemas de discriminação  conseguiremos pensar estratégias que ampliem as oportunidades para grupos minorizados ocuparem os espaços.

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